A controvérsia jurídica consiste em definir se uma plataforma, provedor de aplicação de internet, pode, por iniciativa própria, remover, suspender ou tornar indisponíveis conteúdos de usuário que viole seus termos de uso aplicáveis e se tal moderação de conteúdo encontra amparo no ordenamento jurídico, notadamente na perspectiva da liberdade de expressão, da proibição da censura e da responsabilidade dos provedores.
Os termos de uso dos provedores de aplicação, que autorizam a moderação de conteúdo, devem estar subordinados à Constituição, às leis e a toda regulamentação aplicável direta ou indiretamente ao ecossistema da internet, sob pena de responsabilização da plataforma.
A moderação de conteúdo, por sua vez, refere-se à faculdade reconhecida de as plataformas digitais estabelecerem normas para o uso do espaço que disponibilizam a terceiros, que podem incluir a capacidade de remover, suspender ou tornar indisponíveis conteúdos ou contas de usuários que violem essas normas.
As plataformas têm todo o incentivo para cumprir não apenas a lei, mas, fundamentalmente, os seus próprios termos de uso (admitindo-se que eles estão em conformidade com o ordenamento jurídico), objetivando evitar, mitigar ou minimizar eventuais contestações judiciais ou mesmo extrajudiciais. Trata-se de espécie de autorregulação regulada: autorregulação ao observar suas próprias diretrizes de uso, regulada pelo Poder Judiciário nos casos de excessos e ilegalidades porventura praticados.
O art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet“) não impede nem proíbe que o próprio provedor retire de sua plataforma o conteúdo que violar a lei ou os seus termos de uso. Essa retirada pode ser reconhecida como uma atividade lícita de compliance interno da empresa, que estará sujeita à responsabilização por eventual retirada indevida que venha a causar prejuízo injustificado ao usuário.
Dar interpretação restritiva ao art. 19, no sentido de que tal norma somente autoriza a retirada de conteúdo da plataforma mediante ordem judicial, constitui dupla impropriedade: primeiro, porque dá à lei um sentido que ela não tem, pois as hipóteses ali previstas não excluem nem proíbem que as plataformas retirem conteúdo que seja ilegal ou que ofenda seus termos de uso; e segundo, porque vai de encontro ao esforço que a comunidade nacional e internacional, o poder público, a sociedade civil e as empresas têm realizado em busca de uma internet livre de desinformação (as chamadas fake news) e de práticas ilícitas, que proteja crianças e adolescentes e que fortaleça os princípios de liberdade, direitos humanos, universalidade, privacidade, neutralidade, inovação e autonomia informacional.
No tocante à prática de shadowbanning, também conhecida como banimento às sombras, oculto, furtivo ou fantasma, essa consiste na moderação de conteúdo por meio de rebaixamentos em sistemas de recomendação ou banimento de difícil detecção pelo usuário e são vedadas em documentos regulatórios, ressalvadas exceções bastante limitadas, reconhecida a assimetria informacional e a hipossuficiência técnica do usuário.
São exemplos dessas práticas a exclusão de comentários postados em provedores, que permanecem visíveis para o remetente, mas não para os demais usuários, a diminuição no tráfego e nos resultados de pesquisa, e a redução do alcance de conteúdo e produtos, podendo ser realizadas tanto por funcionários da plataforma quanto por meio de algoritmos e, em tese, podem caracterizar ato ilícito, arbitrariedade ou abuso de poder.
Embora a moderação de conteúdo por meio de técnicas convencionais como a remoção total de conteúdo ou suspensão de conta seja cabível, como nas hipóteses já destacadas, deve ser garantido ao usuário o direito de transparência acerca da moderação de conteúdo implementada pela plataforma.
No Brasil, a proteção do usuário contra práticas de shadowbanning e outras formas de moderação de conteúdo que violem a liberdade de expressão e a vedação da censura pode ser extraída das normas previstas no Marco Civil da Internet.
Fonte STJ – REsp 2.139.749-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/8/2024, DJe 30/8/2024.